Passados 93 anos, continua atual a observação de Rui Barbosa
na sua oração de paraninfo aos então bacharéis da Faculdade de Direito do Largo de São
Francisco lida pelo professor Reinaldo Porchat. Para Rui, que não compareceu
por estar doente, “justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada
e manifesta”. A propósito do “vezo da tardança” e geradora, muitas vezes, de
prescrições das pretensões punitivas e executórias, recorro a três fatos
recentes. Todos eles capazes de envergonhar, simultaneamente, a Têmis, deusa
grega da Justiça, e a romana Minerva, deusa da sabedoria e, portanto, apta a
intuir ter a Justiça criminal por meta não deixar impunes os crimes e não punir
os inocentes.
Refiro-me ao massacre, em 2 de outubro de 1992 e por ação da
Polícia Militar, de 111 presos sob custódia estatal e rebelados na Casa de
Detenção Professor Flaminio Favero, no bairro paulistano do Carandiru. Também à
morte, em 17 de julho de 2007, durante a aterrissagem no Aeroporto de Congonhas
de São Paulo, de passageiros do Voo 3054. Por último, ao reconhecimento da
prescrição da pretensão punitiva, causa de extinção da punibilidade, em três
processos criminais sobre acusações de crimes em governos paulistas do PSDB, de
formação de cartel e fraude de licitações no metrô. Por partes.
Nos crimes dolosos contra a vida, a nossa Constituição, ao
cuidar das garantias e dos direitos fundamentais, estabelece como regra a
competência do Tribunal do Júri para o julgamento: princípio do juiz natural.
Mais ainda, a nossa lei maior garante a soberania dos veredictos dos jurados
leigos. Isso quer dizer que as decisões dos jurados não podem, quanto a juízos
condenatórios ou absolutórios, ser reformadas, em grau de recurso, por
tribunais estaduais, regionais federais, Superior Tribunal de Justiça e Supremo
Tribunal Federal. Numa apelação por decisão dos jurados entendida como
contrária à prova dos autos, o condenado é reenviado a novo julgamento pelo
Tribunal do Júri e deve o Conselho de Sentença ser integrado por outros sete
jurados.
Após 21 anos, o Tribunal do Júri do foro de São Paulo concluiu
o julgamento do massacre do Carandiru, onde nenhum policial militar foi morto.
De permeio, em setembro de 2006, o coronel Ubiratan Guimarães, comandante da
ação, foi assassinado no seu apartamento. Pouco antes de falecer e na condição
de deputado estadual e foro privilegiado, havia sido absolvido pelo Órgão
Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo: promoveu-se a readequação da decisão
condenatória do júri e por entenderem os desembargadores, em contorcionismo
baseado em respostas e cancelamentos de quesitos, haver sido o desejo dos
jurados não condená-lo. Na sessão, frise-se, não havia esfera de cristal.
O triste é que esse processo do caso Carandiru, concluído há
pouco, em primeira sessão do júri e com 73 policiais militares condenados,
poderá ser anulado e tudo voltará à estaca zero. Apenas a etapa inicial do
processo restou concluída nesses 21 anos.
No nosso júri, os sete jurados populares que formam o
conselho de sentença decidem sem motivar os seus votos, ou seja, não explicam a
razão de estarem a absolver ou condenar: puro arbítrio.
Sem uma profunda reforma judiciária, o sistema penal, incluída a fase
pré-processual do inquérito policial, continuará a produzir respostas atrasadas
e incompletas à sociedade. Vale lembrar: só neste fim de abril, depois de seis
anos da tragédia com 199 passageiros mortos, a Justiça federal de primeiro grau
deverá apreciar, no caso do Voo 3054 da TAM, as eventuais responsabilidades.
Por outro lado, enquanto parlamentares se digladiam a
respeito de uma comissão de inquérito a misturar, para fim lampedusiano, o caso
Petrobras com o de formação de cartéis e de fraudes em licitações no metrô
paulista, e, ainda, com alguns partidos a pedir tutela ao STF, a Justiça
paulista de primeiro grau de jurisdição rejeitou, integralmente e pela
prescrição, duas denúncias do Ministério Público.
As denúncias integralmente rejeitadas pela prescrição
referem-se aos adquiridos trens e equipamentos do primeiro trecho da Linha 5.
Também aos trens e equipamentos da expansão da Linha 2. Quanto à reforma de
trens da CPTM das séries 2000, 2100 e 3000, licitadas em 2001 e 2002, a
acusação foi recebida apenas em parte, diante da prescrição. Enfim, tudo para a
alegria tucana, em especial a do governador Geraldo Alckmin, exitoso no esforço
para impedir a constituição de uma CPI na Assembleia Legislativa. E, ainda,
pelo tempo ganho para emendar a ação judicial incompleta por omissão a réus
(litisconsortes necessários).
POR HOJE É SÓ...
PONTO FINAL (REDAÇÃO: O BOLSO DO ALFAIATE)
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